Foto: Andreia Portinha Saraiva
O centro Abrigo foi criado para ajudar as mulheres portuguesas que estavam a viver situações de violência doméstica e não tinham para onde ir. Hoje, o Abrigo tem crescido com a comunidade e tem um papel central na comunidade lusófona de Toronto.
“Comecei como voluntária no centro Abrigo durante dois anos e depois decidi trabalhar para o centro. Isso já foi há 24 anos atrás”, explica Valeria Sales, a governadora dos voluntários e a líder do programa de integração e do desenvolvimento da comunidade do centro Abrigo. Para ela, o centro que foi criado há 35 anos num impulso da comunidade portuguesa tem um papel fundamental para a comunidade.
E de fato, o Abrigo foi criado em resposta à incidência de mulheres de expressão portuguesa que estavam a sofrer de violência doméstica. Segundo a Valeria Sales, naquela época estas mulheres não sabiam para onde se virar para receber ajuda ou apoio e portanto iam falar dos seus problemas ao padre da igreja da Santa Helena. “Mas chegou um certo momento em que o padre já não sabia o que fazer e portanto reuniu algumas pessoas que eram influentes na comunidade portuguesa para poder criar um centro que pudesse acolher estas mulheres e dar-lhes a ajuda que elas realmente precisavam”, conta.
Até hoje, a missão principal do centro tem sido de ajudar as pessoas que vivem violências domésticas. Mas o Abrigo também cresceu com a comunidade e, se no início foi criado para as mulheres portuguesas, hoje dá apoio às pessoas de todas as comunidades lusófonas e nem só. Além disso, o centro tem desenvolvido novos programas para oferecer serviços que a comunidade tem pedido ao longo dos anos. “Uma das coisas que mais me fascina é que o centro está sempre voltado para a comunidade e as suas necessidades. Começamos com as violências baseadas no género, mas aos poucos fomos agregando mais programas que resolviam problemas noutras áreas onde a comunidade precisava de ajuda”, esclarece a Valeria Sales. No total, o centro apoia 7000 pessoas cada ano do qual 94% são de expressão portuguesa.
Mas se o impulso da criação do centro veio das violências que as mulheres portuguesas viviam, esse não é só um problema da comunidade lusófona. “Acho que é importante relembrar que a violência doméstica existe em todo lado, independentemente do país ou do estatuo socioeconómico das pessoas.
É uma doença que infelizmente existe em todas as culturas. Alias em Toronto há vários centros parecidos com o nosso mas para outras comunidades porque o problema da violência doméstica é mundial”, adiciona.
Mas o que acontece então quando alguém vem pedir ajuda ao centro?
Em geral, os trabalhadores do centro não lhes dizem o que têm de fazer, se têm de sair de casa ou não. Eles dão informações sobre onde encontrar casas do governo se decidirem partir, quais ajudas financeiras estão à disposição e como solicita-las, entre outras. O objetivo é de fazer com que as pessoas que vivem violência se sintam empoderadas para tomar a melhor decisão para elas. “Quando sabemos o que significa abuso, quais são os nossos direitos, é muito mais fácil tomar uma decisão. Aliás, eu costumo dizer que somos como uma ponte entre o que as pessoas têm direito e o que o governo oferece. Acredito muito que a barreira da informação é maior do que a da língua”, declara.
“A primeira coisa que fazemos durante o primeiro contacto é agradecer à pessoa por ter pedido ajuda e ter tido a coragem de nos contactar porque muitas vezes há medo, vergonha e culpa ao pedir ajuda. Esse erro de perceção acaba muitas vezes por impedir a estas mulheres de virem ter connosco ou de pedir ajuda em geral. Mas sabemos que é totalmente o oposto. O fato de pedir ajuda significa que a pessoa é corajosa. É vitima nunca é culpada pela violência que sente”, sublinha.
Depois, um conselheiro ou uma conselheira prepara um plano de segurança. Segundo a Valeria Sales, as vítimas de violência doméstica não têm tempo para pensar nos seus direitos e muitas vezes nem têm essa informação. A partir da criação do plano de segurança, o centro segue as mulheres durante todo o processo que pode durar um a três meses. “Depende muito da situação da mulher para sabermos como vamos poder conduzir esse caso até que a mulher se sente segura para seguir sozinha”, detalha.
Para além da ajuda durante o período de abuso, o Abrigo oferece um programa para as mulheres que saíram da situação perigosa onde se encontravam e que querem partilhar com outras mulheres que viveram situações similares. “Basicamente, é um lugar onde podem debater, falar de autoestima, partilhar projetos, etc”, acrescenta.
Ao trabalharem sobre esse tópico, os conselheiros e as conselheiras do centro rapidamente se aperceberam que as crianças que viviam nas casas com violência doméstica também necessitavam de ajuda. Se o centro não tem um programa para ajudar as crianças que foram maltratadas, tem uma parceria com a Children’s Aid Society of Toronto, uma organização que protege as crianças destas situações de abuso.
Mas se nem todas as crianças são maltratadas nestes casos, muitas delas têm dificuldades em ficar na escola e dificuldades em criar relações saudáveis com outras pessoas. “Ajudamos os jovens a perceber o que é ter uma relação saudável, a formar a autoestima deles e também a incentiva-los a continuar a escola porque sabemos que é fácil encontrar um trabalho, começar a ganhar dinheiro e não querer voltar a estudar. Mas os estudos são muito importantes para ter uma vida mais estável em geral e a nível financeiro também”, explica a Valeria Sales.
Para as crianças dos 0 aos 6 anos, o centro também propõe às mães um programa onde falam do desenvolvimento da fala e da linguagem, de disciplina infantil, do impacto da violência nas crianças que foram testemunhas destas violências, etc. “Durante o programa, as mulheres aprendem todos os dias sobre um novo tópico ligado a estas crianças. E também fazemos workshops sobre o stresse que sentem as crianças. Ensinamos aos pais como lidar com o próprio estresse para ajudar as crianças a gerir o deles. Também aconselhamos os pais a falar de sexualidade com os filhos. Ou seja, explicamos porquê conversar sobre esse assunto é importante, a que idade falar com eles e o que lhes dizer que seja apropriado para a idade. O objetivo é de dar aos pais as ferramentas para saberem o que dizer e que seja de acordo com os seus valores sem necessariamente impô-los às crianças”, especifica.
Por lei, o centro Abrigo também oferece um programa de 12 semanas para os abusadores onde trabalham e aprendem sobre o que significa violência, como resolver um conflito, etc. “A ideia deste programa é de abordar vários temas para eles conseguirem a mudar pouco a pouco”, conta a Valeria Sales. Mas ao contrário de todos os outros programas que são gratuitos para as pessoas que vêm ao centro, esse programa não é.
Desde a sua criação, o centro também tem oferecido programas aos idosos para lutarem contra a solidão, às pessoas com idade próxima da reforma para terem as ferramentas para essa etapa da vida, aos recém-chegados que precisam de apoio para navegar as mudanças ao iniciar uma nova vida num novo país e também a quem precisar de ajuda para outros casos como questões financeiras.
Em setembro, o antigo diretor reformou-se e a direção passou para as mãos de duas mulheres, a Gila Raposo e a Paula De Jesus, que fizeram parte do centro desde o início e que oferecem uma nova visão para o centro. “Aqui a atmosfera é muito diferente relativamente a outros sítios onde há serviços socias. As pessoas trabalham com muita paixão. Após 24 anos de trabalho, continuo entrando todos os dias aqui com o mesmo brilho no olhar”, conclui a Valeria Sales um sorriso no canto da boca.